quinta-feira, outubro 14, 2010

Epitáfio

Aqui jaz um poema sem título

Sem forma, mérito e asa
Sem cálculo, farsa e casa
Sem tempo, toque e caixa
Sem risco, verso e traça

Aqui jaz um poema sem título
Com...
Com tudo
Com luto, pausa e nada.

O tido já não faz sentido
O já vivido não existe
A não ser na memória

Aqui jaz a memória
Sem piedade, tempo e beleza
Sem formalidade, acordo e conforto
Sem platéia, luz e aplauso
Sem lenço, sem teto e lugar

Aqui jaz um poeta sem escrita
Sem nada
Sem medo, compreensão e feliz.

O futuro nada é
Quando for, virá
Minha amiga.

domingo, outubro 03, 2010

Você

Por que você?
Por que não você?
Suave, intrigante, bela
Esguia como uma coluna
A vertical divina
A curva perfeita.

Surpresa em que se note você?
Impensável, impossível
Mármore esculpido, pele de mulher
Vencido pela certeza de que sem sua beleza
A vida será menos atraente
A música terá menos ritmo
A manhã não dará seu orvalho
Mas é claro... a vida continuaria.


Você quer contar a história dos outros
Quer descobrir a própria história
Só não sabe a resposta
Porque, ainda, não conhece a pergunta
Me pergunto se você é livre
Me pergunto se há justiça na pergunta
Acho que não
Eu mesmo ainda tento romper
Quero ser seu cavaleiro
Quero que você venha em meu socorro.

quarta-feira, setembro 22, 2010

Birthday

Vou nascer
Não sei o que será da minha vida
Se terei sucesso, dinheiro ou poder.
Não sei se terei a mulher que quero
A vida que espero.

Minha mãe cuidará de mim
Meu pai me ensinará sobre a vida
Vou crescer, fazer amigos e sonhar
Terei certeza de coisas que não conheço
Até aprender a esperar o momento certo
E saber que, mesmo assim, nem tudo depende de mim.

Me sentirei sozinho, às vezes
E pensarei que sou único no mundo
Vou me casar, talvez me separar, viver, errar
Terei filhos e terei amor
Serei admirado e, então, não mais desejado
Serei o que sou.
Embora, eu ainda não o saiba.

Aprenderei a perdoar.
Aprenderei a escolher.
Aprenderei a dizer não.
Aprenderei a dizer mais 'sins' do que 'nãos".
Aprenderei.

terça-feira, setembro 07, 2010

Medo

Da aranha na teia
De não ser lembrado
Do escuro que insiste em revelar meus temores
De ter medo.

Do estranho na rua
Da perda irreparável
De não ser desejado como desejo
De não morrer quando a hora chegar.

De estar errado sobre a vida
De não ser poeta
De me arrepender e de não caminhar
De deixar a sanidade me enlouquecer
De sorrir, se algum ganho houver
De perder e não chorar
De parar de cantar e de ver beleza no som
De evitar olhar pra mim mesmo
A ponto de embotar a memória
E não me reconhecer mais.

sábado, agosto 28, 2010

Poesia

Eu quero viver.
Quero que minha vida seja a poesia.
Quero realizar versos diversos
Mas se meu olhar não rimar
Basta-me o lirismo.
Livre sou para quebrar o ritmo.

Quero um amor que não seja tranquilo.
Quero a incerteza da entrega
A possibilidade da tristeza
Que me impõe o empenho diário.
Quero a ausência que acaba.

Não vou falar da paixão
Não tenho intimidade com a sorte
Meu caminho é descoberta
Talvez haja alguém no caminho.

Quando eu acordar quero sonhar com você
Quando dormir quero saber da sua presença
Quando morrer, lembrar que valeu a pena
Viver do seu lado
Nascer pobre, morrer poeta.

terça-feira, agosto 17, 2010

Paixão

Hoje eu a vi
Morena, feminina, seduzindo o espelho
Perdi a respiração. O tempo parou.
O mundo ficou mais simples,
O instante eterno do olhar,
Reduziu-se a você e a você somente.

Hoje ela não soube que eu existo
Não viu, não procurou.
A vida continua, nua... deve ser linda.
A vida segue, o pensamento fica.
Ah se a realidade não fosse tão egoísta!

domingo, agosto 01, 2010

A máscara que uso

A máscara que uso é sincera
Disfarça a alma, a dor, a ira
Desenha vitória, cor e alegria
Encontra conforto, prazer, sacia.
A máscara que uso é verso
Embeleza a favela, o beco, o rio
Constrói o amor, o inesperado, a perfeição
Forja o encontro, o exato, a confissão.
A máscara que uso liberta
Esconde a verdade
Não a quero, não a deixo.
A máscara que eu uso me usa
É ela que vês, não a mim...
Somos muitos por baixo da máscara.

Oração

Se Deus falasse comigo
Eu lhe perguntaria seu nome

Se Deus falasse comigo
Eu lhe perguntaria por que Ele se esconde

Se Deus falasse comigo
Eu lhe perguntaria: por que?

Se Deus falasse comigo
Eu lhe diria o quanto eu sofro

Se Deus falasse comigo
Eu choraria

Se Deus falasse comigo
Eu teria tempo para ouvir?

Se Deus falasse comigo
Eu mudaria minha vida?

Se Deus falasse comigo
Eu aceitaria sua Palavra?

Então, eu falo com Deus
Perdão por não ter me tornado o homem que eu poderia ser
Perdão por correr atrás do vento e da ilusão
Perdão por ter falhado nos meus votos
Perdão pela falsidade e pela mentira
Perdão por ter criado um Deus impossível de satisfazer
Perdão por ter medo.

domingo, julho 25, 2010

Paixão

Não quero me apaixonar pela poesia
E esquecer as pessoas
Não quero me deixar levar pela fantasia
E me desconectar da carne,
Do cheiro, do gosto, das pessoas.
Quero contar da loucura da sanidade
Da impossibilidade da realidade
Da lógica complexa do que é simples
Do encontro e da companhia da solidão.
Quero saber o que quero
Quero dizer não
Quero não me importar tanto
E de tanto não ter, sofrer, sangrar, morrer.

Não quero querer o irreal
Castelos, cores, cabelo e corpo
Sílaba, estrofe, prosa ou poesia
Construções mentais, métrica da dor.
Quero a elegância natural
A sofisticação da sinceridade
A tranqüilidade da aceitação
Harmonia de ver, entender, ser.
Quero não acreditar no fim
Explicar o milagre
Cantar o sorriso, cantar, cantar.
Quero o que não sou,
Sou o que eu quero.

Voz

Se me calo, estou gritando
Quando acordo, começo a sonhar
Se acelero, o que mais quero é: parar.

Como é fácil me perder no tempo
Como é difícil estar no momento
Sincronicidade é tudo
Intensidade em tudo.

O olhar me trai, atrai
Seduz e condena
Tudo começa no olhar
O sentido, o sentir, me calar.

Sigo o curso, mergulho em mim
Aceito o inevitável: nascemos potencial
Somos potencial
Nos tornamos humanos.